Por Dr. Élcio Eduardo de Paula Santana
Finalizando a trilogia sobre o problema do envelhecimento da audiência televisiva nos esportes (a qual tem os dois primeiros textos podendo ser acessados aqui e aqui), este post aponta o quão engajante para um jovem pode vir a ser um foco mais exarcebado no indivíduo que pratica o esporte, em detrimento dos demais elementos que compõem um evento esportivo, quando da promoção por parte de um grupo de mídia com relação a uma atração esportiva.
Lembram-se da pesquisa da Magna Global, encomendada pelo Sports Business Journal, destacada no primeiro post (veja aqui) desta trilogia[i]? Ela apresenta apenas uma entidade que teve a sua audiência rejuvenescida: a WTA, a liga de tênis feminino de caráter global mais famosa do mundo. Em 2016, constatou-se que a idade média de sua audiência era de 55 anos, 8 anos mais jovem do que em 2006. Pode-se depreender algumas das razões para esse rejuvenescimento a partir lógica da campanha promocional da WTA, de 2009, denominada “Looking for a hero?”[ii] (Procurando por uma heroína?), a qual propunha uma centralização maior na esportista, destacando o lado glamouroso do tênis (pelo menos na maneira como quem assiste o jogo assim o percebe) e o estilo de vida, especialmente fora da quadra, que acompanha as atletas.
A campanha que se seguiu, iniciada em 2011 e denominada “Strong is beautiful” (Forte é bonito) foca decisivamente nas atletas, tanto nos seus atributos tenísticos, quanto nas suas respectivas belezas, desafios pessoais e traços de personalidade[iii]. O filme de 30 segundos que veicula uma das estrelas da época, a belga Kim Clijsters, por exemplo, a apresenta defendendo uma bola com uma abertura de pernas que chega perto dos 180 graus, enquanto uma narração ao fundo aponta o balanço que ela tinha que ter entre sua vida pessoal e profissional em função de ter tido uma filha[iv].
Fechando o período que compreende os resultados da pesquisa da Magna Global sobre a idade das audiências televisivas, em 2015 a WTA lançou a campanha “Power to inspire” (Poder de inspirar), que adicionou novos elementos à comunicação, mas manteve esse foco no indivíduo, como pode se observar por uma passagem do vídeo oficial de divulgação, o qual afirmava que “as atletas e as lendas da WTA tem o poder de inspirar fãs do esporte e de se conectar com eles(as) emocionalmente, não apenas com o puro poder físico e força mental na quadra, mas por meio de suas incríveis histórias inspiracionais e poderosas fora da quadra”[v].
O principal meio de divulgação de conteúdo do esporte tênis no mundo, o canal de televisão a cabo e de streaming Tennis Channel, também entendeu o anseio do público mais jovem por uma maior intimidade juntamente aos atletas e criou, em 2017, um programa que segue ao longo de uma temporada um tenista que faz parte do tour, seja da WTA ou da ATP (liga masculina global de tênis), denominado “My tennis life”[vi].
Um nível superior de intimidade dos fãs com os atletas – talvez seja esse um caminho valioso para as organizações esportivas buscarem criar para os seus seguidores, como aponta Rachel Nichols. Essa parece ter sido uma das diretrizes que levou ao rejuvenescimento do público televisivo da WTA entre 2016 e 2006, e acredito que seja a linha mestra do mencionado “My tennis life”. Nichols, talvez a mais respeitada repórter que cobre a NBA para a ESPN americana crê ser esse o único caminho para arregimentar o público mais jovem para os esportes, pois ela entende que esse segmento da população não admite outro tipo de relação com as personalidades, dado que eles já vivenciam o jantar de terça à noite de LeBron James comendo tacos com sua filha e que qualquer inovação que eles tentam nas transmissões que não sejam voltadas para o âmbito pessoal não surte efeito nos índices de audiência. Ela aponta sugestões como uma câmera que acompanhe a todo momento as conversas e reações dos jogadores sentados no banco de reservas, a expansão da utilização das câmeras dentro dos vestiários (como já acontece no basquete universitário americano da liga NCAA, quando da realização de seu torneio final, popularmente conhecido como March Madness), que atualmente ainda é bastante restrita no concernente ao alcance e profundidade do que cobre[vii].
O fato é que o jovem de hoje se distancia muito mais intensamente do ser humano mais experiente do que acontecia outrora, porque o mundo atual se modifica de maneira muito mais rompedora com o passado recente do que jamais aconteceu. Policronia, gratificação imediata, impaciência com o saborear todo um processo para se alcançar um resultado parecem ser mantras que regem o comportamento da faixa mais jovem da população. Caso não queiram se tornar atividades do mundo do entretenimento que perderam a relevância de outrora, como o boxe, por exemplo, as atrações esportivas precisam se repensar e reler os seus consumidores mais jovens visando o prolongamento de suas respectivas existências sem, contudo, esquecer os seus consumidores mais maduros que ainda proveem uma base para a existência do esporte do esporte no momento que agora vivemos. Essa dupla perspectiva pode, em alguns casos, tender a dicotomias, complicando ainda mais a já tão intrincada ação de gerenciar um esporte na atualidade com vistas à sua perpetuação.
Aguardo os seus comentários para continuarmos a discussão.
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[i] Veja a pesquisa completa em https://www.sportsbusinessdaily.com/Journal/Issues/2017/06/05/Research-and-Ratings/Viewership-trends.aspx
[ii] Algumas referências sobre a campanha: - WTA - Looking for a hero movie on Vimeo - Ana Ivanovic - Making of Looking For A Hero? - YouTube - Women's tennis seeks advantage from glamour spin – Marketing Week
[iii] Entenda mais sobre a campanha lendo uma descrição compreensiva em The WTA Strong Is Beautiful Campaign (jannaludlow.co.uk)
[iv] Veja um vídeo de divulgação da campanha "Strong is beautiful" no link Kim: Strong is Beautiful - YouTube
[v] Veja o vídeo de divulgação da campanha “Power to inspire” no link Ep 1 Behind the Scenes | The Power to Inspire Series presented by Xerox - YouTube [vi] Entenda todo o conceito do novo programa acessando o link new show "my tennis life" to appear on The Tennis Channel | tennis served fresh (tsftennis.com) e veja um episódio neste outro link My Tennis Life: Lucie Safarova Episode 1 "Don't Let Coach Rob Do The Dishes" - YouTube [vii] Sugiro que ouçam as argumentações de Rachel Nichols no WojPod, o podcast de Adrian Wojnarowski sobre o mundo da NBA (a liga de basquete profissional estadunidense), acessando o link https://podcasts.apple.com/us/podcast/rachel-nichols-and-bobby-marks/id1470466331?i=1000474094506 . A mencionada declaração de Nichols se encontra entre os minutos 45:01 e 48:20.
Ótima discussão, prof Élcio! Concordo que é bastante válido entendermos sobre as mudanças do público que consome esporte. Tenho percebido que os consumidores estão cada vez menos propensos a consumir 90 minutos de uma partida de futebol ou um GP completo de F1, por exemplo.
Algo que reflito algumas vezes é sobre como clubes esportivos em geral podem converter seu "sucesso online" em sucesso de público nos estádios. Entendo as mudanças de consumo, mas me incomoda um pouco que os consumidores foquem apenas nesse consumo instantâneo e virtual... Tenho curiosidade para ver as novas estratégias para atrair o público, considerando ainda todo o cenário pandêmico, será um desafio enorme!
Oi Lina! Definitivamente, os esportistas seniores se configuram em um segmento de mercado muito interessante. Creio, contudo, que numa perspectiva de longo prazo, a "seniorização" possa se enfraquecer caso as novas gerações não se proponham a consumir o esporte como um meio de entretenimento, pois o esporte pode passar a ser algo menos central na vida da sociedade contemporânea do que já foi outrora. Desta forma, creio que essa discussão sobre a audiência esportiva é relevante até mesmo para aqueles que atuam na dimensão da prática do esporte, pois sem a degustação inicial como espectador, penso que fica mais difícil o sujeito se propor a experimentar o esporte e consequentemente criar o hábito de praticá-lo.
Ótima discussão. Além desses pontos bem colocados, eu também vejo que o esporte tem possibilitado a sua própria "seniorização", à medida que cria categorias com mais veteranos e seniores. Não acontece em todas as modalidades, mas podemos ver vários atletas estendendo suas carreiras nas categorias do seu esporte do mais alto rendimento e/ou em categorias específicas para que eles possam continuar sua vida atlética. Eu acho bem impressionante essa mudança do mercado esportivo!