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Match FAGEN

Sobre o gerenciamento das relações públicas: o caso Osaka-Roland Garros


Por Dr. Élcio Eduardo de Paula Santana


No dia 31 de maio de 2021 o mundo esportivo ficou chocado ao ser comunicado da desistência da tenista Naomi Osaka do torneio Roland Garros, um dos quatro campeonatos mais importantes do tênis. A razão foi o fato de ela não querer comparecer às coletivas de imprensa pós-jogo, devido a alegações que concernem à saúde mental dela [tais entrevistas são um procedimento obrigatório a ser cumprido pelo(a) atleta]. Vale salientar que Osaka é a atual nº 2 do ranking mundial e venceu as duas últimas grandes competições da modalidade previamente disputados à sua desistência, o US Open (em 2020) e o Australian Open (em 2021).


A manifestação de Osaka foi seguida de um comunicado da Federação Francesa de Tênis (FFT – detentora dos direitos e organizadora de Roland Garros), que foi acompanhada de uma resposta da tenista, e, por fim, a FFT emitiu uma mensagem final. Tal formato de comunicação se enquadra em uma ação mercadológica denominada “relações públicas” (RP) e os conteúdos dos comunicados mencionados aqui são interessantes objetos de análise de ações contemporâneas de RP no setor esportivo. Apenas os primeiros comunicados de cada uma das entidades envolvidas serão aqui analisados, dadas as restrições de espaço que normalmente se observa para o formato de texto aqui praticado.


Levemos em conta uma das atividades atinentes às ações de RP para nortear o nosso raciocínio, de acordo com a Public Relations Society of America (PRSA): “antecipar, analisar, e interpretar a atitude, questões e opinião pública que possa ter um impacto, para o bem ou para o mal, nas operações e planos da organização”[i]. Saliento que, organização, no caso em análise, compreende a tenista e as entidades do tênis envolvidas no imbróglio.


Atento-me inicialmente para o caso da tenista. A declaração inicial dela pode ser vista neste link[ii]. Ressalto que a análise aqui desferida não se pautará em informações não compartilhadas publicamente; desta forma, não serão feitas pressuposições de comportamento que não podem ser claramente depreendidas das declarações, ou seja, assumo que ela está com problemas de saúde mental e que esta é a razão pela qual ela agiu como efetivamente se observou.


Destaco pontos positivos do comunicado, como a atenção que ela chama para a saúde mental do(a) atleta (ponto cada vez mais abordado e aceito em diversos esportes) e para as práticas estabelecidas no sistema que maceram os(as) esportistas que se encontram acometidos dessa patologia.


Dada a postura aparentemente respeitosa que ela quis assumir neste momento, postura essa que, em minha percepção, é uma marca em sua trajetória para o grande público, aponto como equivocada, no comunicado, a menção à repetição dos questionamentos feitos pelos jornalistas nas coletivas pós-jogo, visto que essa “agressividade” não faz parte do “pacote Osaka de apresentação às massas”. Aponto isso porque ela não pode pressupor que domina o papel a ser interpretado por outro stakeholder do mundo esportivo, no caso, o jornalista, e muito menos ordenar o que esse(a) outro(a) ator(atriz) deve fazer.


Outra possível falha no comunicado repousa na sugestão de direcionamento das multas que ela viria a pagar por não comparecer às coletivas. Tal fato demonstrou desconhecimento do destino de tais multas, que é o Grand Slam Development Fund[iii], fundo que se destina ao desenvolvimento do esporte em países menos favorecidos tenisticamente (o brasileiro Gustavo Kuerten, por exemplo, recebeu tal aporte). Pelo menos no meio especializado do tênis essa sugestão recebeu críticas[iv], e tais críticas podem se ampliar a uma comunidade mais ampla, dada a capilaridade no fluxo de informações a partir dos jornalistas.


Tais falhas no seu comunicado abrem margens para a criação de uma atitude negativa com relação a ela, que pode ter se transferido para o seu pleito. Anúncios dessa natureza precisam ser devidamente trabalhados para que elementos periféricos não mitiguem o efeito almejado para o elemento central.


Importa salientar que a dinâmica de comunicação com as massas implica em ajustes, especialmente em um mundo de oferta de informações de mão dupla, como pode ser o universo consumado pela internet. Osaka fez um post[v] no Twitter subsequente ao comunicado, destacando o desconforto que a mudança gera nas pessoas, e a consequente raiva que elas podem sentir advindas dessa situação. Ou seja, a sua mensagem foi complementada com um convite à filosofia, algo que não é muito atinente ao mundo corporativo, o qual ela estava se posicionando contrariamente. Afirmo isso porque o principal intento de se levar a cabo as entrevistas coletivas (por parte dos organizadores de eventos) é a exposição da marca de patrocinadores do torneio, assim como a geração de conteúdo para que aconteçam repercussões na mídia a respeito do campeonato e seus atores – propaganda, no primeiro caso, e publicidade, no segundo.


Por sua vez, a Federação Francesa de Tênis (FFT), juntamente com as organizações que promovem os demais torneios do chamado Grand Slam do tênis juntamente à Roland Garros (Australian Open, Wimbledon e US Open) – doravante, quatro organizações –, os quatro torneios mais importantes do tênis mundial, respondeu à tenista ao emitir um comunicado que pode ser lido na íntegra clicando aqui[vi]. Reações das mais diversas foram sentidas no mundo do esporte perante o posicionamento das quatro organizações (veja reportagem[vii] que sintetiza reações de apoio à tenista e declaração[viii] do ex-tenista Boris Becker que, de certa forma, desaprova o comportamento de Osaka).


Ressalta-se que o tom da nota das quatro organizações utiliza algumas das quinze estratégias de polidez em declarações de relações públicas, quando se enfrenta situações de gerenciamento de crises – crisis management –, as quais devem ser escolhidas e aplicadas conforme o contexto (veja estudo que aplica tais estratégias no contexto corporativo clicando aqui)[ix]. O comunicado das quatro organizações demonstrou ter, principalmente: conhecimento da questão; interesse em buscar um acordo; preocupação com a vontade da requerente; traços de promessa e otimismo; e inclusão de ambos os lados na busca de uma solução.


Contudo, uma opção das referidas estratégias que não se utilizou e, na verdade, aplicou-se de forma diametralmente oposta, foi a busca em se evitar desacordos – em quatro dos dez parágrafos do comunicado se optou por enfatizar uma situação de possível belicosidade entre as partes envolvidas. Observa-se uma falha clara do processo comunicacional, por meio dessa ação de relações públicas, que pode ter contribuído para a decisão da tenista de se afastar do torneio.


Ao comunicar, enfaticamente, que a tenista poderia ser desqualificada do evento e dos demais campeonatos do Grand Slam, em função de repetidas violações do código de conduta (violações oriundas da ausência nas mencionadas entrevistas coletivas), as referidas organizações justificaram o seu posicionamento com o argumento da igualdade de tratamento a todos(as) os(as) atletas.


Essa justificativa das quatro organizações é interessante de se apreciar, pois repousa no terreno cinzento da igualdade: tratar todos de maneira igual é a forma correta de se agir ou se deve tratar de maneira apropriadamente distinta os desiguais? Para ajudar a refletir sobre essa questão, sugiro o texto “Equal Treatment and the Reproduction of Inequality” (Harris, 2001)[x], acompanhado de uma citação extraída do citado artigo: “tratamento igual como proteção igual aparece para entregar muito pouco em termos de igualdade real ou consistência lógica real” (p. 32, tradução nossa).


Tem-se a impressão de que as quatro organizações se alinharam a um modelo de condução do negócio que prioriza o retorno sobre o investimento de curto prazo, acima de qualquer outro viés de análise, filosofia essa que certamente detém uma miríade de defensores, mas que não necessariamente segue as premissas mais sofisticadas de um processo de gerenciamento contemporâneo, considerando a visão acadêmica.


Vale ponderar que as novas gerações são mais sensíveis a questionamentos ao establishment, e essa óptica de manutenção da entrada de reditos de curto prazo acima de qualquer alternativa pode ter acontecido em detrimento de se ter aproveitado a oportunidade de abarcar, com maior intensidade, simpatizantes mais jovens juntamente ao tênis (note que o envelhecimento da audiência esportiva é um fato, já destacado neste blog em posts anteriores, os quais podem ser acessados por meio dos seguintes links: A, B, e C[xi]). Naomi Osaka é uma personalidade mundial, com receitas de patrocínios ao redor de US$ 60 milhões nos últimos doze meses[xii], fato que aponta, por parte do mercado consumidor, uma alta aceitação de suas escolhas comportamentais e opiniões – tenham certeza de que marcas não investiriam tanto em uma pessoa para ser a ponte para um mercado consumidor, se esse mercado não for formado em grande parte por uma população adulta jovem.


Destarte, uma apreciação holística do acontecido, por parte das quatro organizações, poderia ter sido o caminho mais sensato a ser tomado. Loas se tece às quatro organizações caso o intuito tenha sido manter um padrão de conduta que não privilegie uma superestrela em detrimento de um jogador que não vive sob a luz da fama. Entretanto, a situação parece ser de exceção, e tal argumentação tende a ser insuficiente. Ela poderia ter sido contemplada em certa escala para se fazer “a coisa certa”, mas ponderações deveriam ter sido realizadas e externadas para se ganhar pontos em termos de atitude positiva do grande público com relação àquelas entidades que comandam os grandes espetáculos do tênis, no concernente às suas respectivas imagens de marca (e evitar a construção de um momentum negativo da referida imagem). A impressão que tenho é que o esporte foi colocado de lado, em detrimento de um modus operandi gerencial que não necessariamente foi o mais apropriado, e o esporte é o dínamo gerador do negócio.


No que tange à Naomi Osaka, uma atenção maior ao procedimento de comunicação evitaria questionamentos desnecessários a ela, assim como a implementação de ações gerenciais complementares à emissão dos comunicados, como uma reunião com a Federação Francesa de Tênis para expor os devidos comprovantes de sua patologia, aliados ao parecer de um especialista quanto à nocividade das entrevistas coletivas pós-jogo, para pessoas em seu estado de saúde. Sua postura, aparentemente unidirecional quando da comunicação de seu posicionamento, pode ter aberto espaço para questionamentos sobre a sua efetiva condição de saúde e os seus reais intentos com essa ação. Em uma declaração publicada em artigo no site da revista Forbes, Martina Navratilova, uma das maiores tenistas de todos os tempos, aponta que o problema de Osaka não é uma questão de saúde mental, e sim uma questão mental para um jogador de tênis[xiii]. Ou seja, o quão mais claro e embasado for um pleito, menos contestações serão enfrentadas, especialmente em um mundo onde todos têm uma plataforma disponível para emitir opiniões.


Convido os leitores a adicionar diferentes pontos de vista a essa análise de comunicação envolvendo RP nos comentários do blog, ou então, no mesmo espaço, reflita sobre as opiniões aqui manifestadas, de maneira que o nosso conhecimento sobre o assunto possa ser engrandecido!


* Siga a nossa conta no Twitter em @match_fagen para se atualizar sobre as ações do MATCH.


** Acessa a página do MATCH para conhecer todos os trabalhos desenvolvidos pelo núcleo de estudos: https://matchfagen.wixsite.com/match/


[i] https://www.prsa.org/about/all-about-pr [ii] https://twitter.com/naomiosaka/status/1397665030015959040/photo/1 [iii] https://www.itftennis.com/en/news-and-media/articles/grand-slam-fines-where-does-the-money-go/ [iv] Um exemplo dessa reação pode ser observado neste episódio do The Tennis Podcast: https://play.acast.com/s/thetennispodcast/rolandgarrospreviewandallaboutnaomiosaka [v] https://twitter.com/naomiosaka/status/1399087503584411648?s=20 [vi] https://www.rolandgarros.com/en-us/article/statement-from-grand-slam-tournaments-regarding-naomi-osaka [vii] https://www.news.com.au/sport/tennis/naomi-osakas-boyfriend-issues-defiant-message-after-tennis-star-withdraws-from-french-open/news-story/3bb1de239ab6eae6a125173845c438b6 [viii]https://www.eurosport.com/tennis/roland-garros/2021/french-open-we-offer-naomi-osaka-our-support-grand-slams-release-new-statement-after-star-s-withdraw_sto8349617/story.shtml [ix] RUITING, XIE. A Study of Politeness Strategies in Corporate Statements in Crisis Public Relations. Proceedings of the 13th International Conference on Innovation & Management. 2016. Disponível em: https://d1wqtxts1xzle7.cloudfront.net/55729074/proceedings-icim-2016-wuhan-china-with-cover-page-v2.pdf?Expires=1624662350&Signature=Zg9lMXOaaPrVjdr3Xq7A8nZMZcb2q~veYuEhCQ51vVfVxsRWZICTlwqjG7bGK65V62IdYGEwBkGtOi~ATfjLOplE2L8MfW5151E~lkJ3T8V1VSBn8Y4Qiu1X67TBOs5n-Mz0Eyq6r8dEejoyEt0dRnAQGvzwkKKQwVbJzpdsM~I0zA6tM0pxx9MhGAiBPNu8y873zhiaINgbQNKlG0ciDkpt-lSH94aAj2rqKzfmgoUP2cipsE4ItoFLn-chvR9TvLKfa0EpEBI8yRa9qTh5MZ-W8KtiV--EV-JeDy49UwU--hYKu-Lm-wWpe9P--1c1STcjKHG5x9RQ2asDInyUTQ__&Key-Pair-Id=APKAJLOHF5GGSLRBV4ZA#page=1077 [x] https://core.ac.uk/download/pdf/144224431.pdf [xi] A: https://matchfagen.wixsite.com/match/post/sobre-o-problema-do-envelhecimento-da-audiência-televisiva-nos-esportes-parte-1-de-3 B: https://matchfagen.wixsite.com/match/post/sobre-o-problema-do-envelhecimento-da-audiência-televisiva-nos-esportes-parte-2-de-3 C: https://matchfagen.wixsite.com/match/post/sobre-o-problema-do-envelhecimento-da-audiência-televisiva-nos-esportes-parte-3-de-3 [xii] https://time.com/6071645/naomi-osaka-french-open-sponsors-brands/ [xiii] https://www.forbes.com/sites/adamzagoria/2021/05/31/naomi-osaka-withdraws-from-french-open-says-she-will-take-some-time-away-from-the-court-now/?sh=564077c52708

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