Por Dr. Élcio Eduardo de Paula Santana
Tempo é dinheiro! Nossa, mas o tempo está passando mais rápido, não é? Bem que eu queria, mas me falta tempo! Diante dessas expressões tão presentes em nosso cotidiano, podemos depreender que um dos bens mais caros e escassos que dispomos hoje em dia é o tempo. Como apontam Blackwell, Miniard e Engel, em seu livro denominado Comportamento do Consumidor, além do dinheiro, o tempo e a cognição são outras duas variáveis das quais os consumidores têm que dispor quando estão adquirindo e consumindo algo.
A disponibilidade de tempo disponível é proporcional à quantidade de atividades às quais um elemento se associa. Desta forma, podemos ter mais ou menos tempo em função de nossas escolhas, gostos e aptidões. Existem produtos que podem nos ofertar a possibilidade de maximizar o nosso tempo, como o forno de micro-ondas, o que pode tornar o ato de cozinhar, por exemplo, mais ágil. Já o consumo de outras atividades pode ser oneroso em termos temporais, como realizar uma consulta médica. O consumo de atividades esportivas, enquanto espectador, enquadra-se nessa segunda dimensão.
Reflitamos sobre quanto tempo se gasta assistindo ao entretenimento esportivo: uma partida de tênis pode durar, normalmente, algo entre 1 e 4 horas. Um encontro futebolístico demanda 2 horas de nosso tempo. Um jogo de futebol americano, por sua vez, se arrasta por aproximadamente 3 horas e 30 minutos. Existem casos exóticos, como corridas automobilísticas que se prolongam por 24 horas. Agora, imaginemos o tempo para lazer que possuímos (tempo discricionário, segundo definição de M. Voss, em artigo denominado “The definition of leisure”, publicado em 1967 no Journal of Economic Issues): em um dia de 24 horas, em que se gasta cerca de 9 horas com o trabalho, 2 horas com deslocamentos, 7 horas com sono, e 1 hora com higienização, sobram cinco horas para compras, alimentação, lazer e obrigações sociais fora do trabalho (filhos, amigos, atividades físicas, obrigações religiosas, atividades voluntárias etc.). Ou seja, sobra pouquíssimo tempo para todas as demais atividades e assistir a um evento esportivo, ainda mais se for um evento in loco, em que há todo um processo a ser feito antes e depois do mesmo.
Atentando-se a essa questão, o vôlei, por exemplo, tornou o seu jogo mais dinâmico, extinguindo a necessidade de se ter a “vantagem” antes de se conquistar o ponto, ainda na década de 90. A liga estadunidense de vôlei de areia, a AVP, estabeleceu um tempo limite para o jogo ser finalizado, em que se declara vencedor a dupla que estiver à frente do marcador ao se atingir o limite temporal, mesmo que o número de pontos/sets totais não tenha sido obtido. O tênis recorrentemente testa novas fórmulas para tentar tornar o jogo mais dinâmico, como o limite de 25 segundo entre os saques, a retirada da vantagem nos pontos decisivos dos games, a instituição de games de desempate (tie-breaks) nos momentos decisivos dos sets, a substituição de sets por tie-breaks maiores, a instituição de sets de com um número menor de games (quatro ao invés de seis), a continuidade do jogo quando o saque toca na rede e atinge a área de saque, dentre outras.
Ainda no que tange à questão da economia de tempo do consumidor esportivo, observa-se também um esforço na maneira como o esporte pode ser obtido e assistido. A principal liga de futebol americano do mundo, a NFL, por meio de seu serviço de transmissão de conteúdo contratado, o Game Pass, comprime em 40 minutos o jogo, reduzindo o tempo da contenda para cerca de 20% do tamanho original. Em tempo já remotos, na década de 90, a TV Bandeirantes (atual Band) trazia jogos do mesmo esporte e de tênis extirpando das partidas os momentos de ausência de ação do jogo, permitindo que a transmissão dos mesmos se tornassem significativamente mais rápidas.
Há ainda o uso dos melhores momentos, os highlights, de maneira estendida ou sintética, que também se apropriam da premissa de economia de tempo. Os “compactos” de jogos de futebol são uma realidade já há tempos na televisão brasileira. Os highlights ganharam definitivamente um espaço na mídia com o advento da dominância dos canais de TV dedicados exclusivamente aos esportes, na década de 80 nos EUA, e na de 90, no Brasil. Houve até o caso de um jogador americano, que praticava tanto beisebol quanto futebol americano, que ganhou extensa notoriedade e popularidade em função desse formato de apresentação do esporte, por propiciar grande exposição desse atleta em função de sua natural plasticidade de se movimentar (um natural gerador de “melhores momentos”), conforme exposto em documentário denominado “You don’t know Bo: the legend of Bo Jackson”, produzido pela ESPN Films e RadicalMedia, e dirigido por Michael Bonfiglio.
Ainda no concernente aos melhores momentos, um jogador de basquete das décadas de 80 e 90 da NBA, Dominique Wilkins, ganhou o apelido de “Human Highlight” (“melhor momento humano”, em tradução livre), pelo fato de ser tão espetacular em sua ação esportiva que dominava a aparição na edição dos melhores momentos. Observa-se, assim, a profusão de tal tipo de formato de apresentação do produto esportivo. Todas as grandes ligas do mundo ofertam essa variação do produto, disponibilizando tanto exibições de poucos minutos, como se observa na TennisTV com os jogos de tênis do circuito da ATP (Associação dos Tenistas Profissionais), até higlights de 30 minutos de corridas de Fórmula Indy, no seu formato de apresentação das contendas automobilísticas denominado “Fast Forward”.
Contudo, a oferta dos highlights e dos eventos comprimidos se enquadram em um formato de exposição dos eventos esportivos que se desenrolam ex post, ou seja, eles não são (e não têm como ser) apresentados ao vivo. A questão de ser síncrona ou assíncrona a apreciação do evento esportivo é pertinente, pois um dos elementos que contribuem para a apreciação da experiência esportiva é o drama gerado pela incerteza do resultado. A arte retrata isso de maneira exemplar, quando o personagem Ben, vivido pelo ator Jimmy Fallon no filme Fever Pitch (Amor em Jogo, no Brasil), coloca duas lagostas nas suas orelhas, tapando-as de maneira que ele tentava não ouvir o resultado do jogo de seu time de beisebol favorito, o Boston Red Sox, no momento em que outros clientes do restaurante em que ele está jantando com sua namorada comentam sobre o desfecho da disputa (ele estava gravando o jogo, para assisti-lo a posteriori) - esse “remendo” no comportamento minimiza a perda de parte da experiência de se assistir a um evento esportivo, mas não são todos que estão dispostos ao sacrifício de superar a curiosidade de saber o resultado de um evento esportivo, após o seu desfecho. Lembremos que a curiosidade é uma das principais forças motrizes do comportamento humano, como assinala K. Z. Powers, em seu artigo denominado “The power of curiosity: ...”, encontrado numa publicação de 1999 da Insights from MSI.
O consumo do evento esportivo de forma assíncrona, todavia, é uma possibilidade para se superar a falta de tempo para se assistir ao referido produto em um momento específico, sendo os gravadores pessoais digitais (DVR, hoje, como era o VHS no passado), os estoques digitais dos canais de TV, internet e das próprias ligas (Watch ESPN, DAZN, YouTube, NBA League Pass etc.) meios utilizados para se consumir o produto sob demanda. Para se ter uma dimensão do potencial desse formato de transmissão do produto esportivo, um canal do YouTube, denominado F1 Retro, aponta 219 mil visualizações de uma determinada corrida de Fórmula 1, a decisão do campeonato de 2008, realizada no Brasil – um número bastante significativo para um evento já há muito tempo realizado.
Há ainda outra dimensão a ser considerada na análise temporal aplicada às transmissões esportivas: o uso policrônico do tempo, termo definido por Kaufman e outros, em 1991, em artigo denominado “Exploring more than 24 hours a day: ...”, publicado no Journal of Consumer Research. A policronia temporal permite que você aumente o seu tempo disponível para algo, como assistir a uma transmissão esportiva, por exemplo, em função de se estar fazendo mais de uma coisa ao mesmo tempo. Você pode estar trabalhando em seu notebook e acompanhando um jogo pela televisão, simultaneamente. Você pode também estar assistindo a um jogo de futebol no tablet e a um jogo de basquete no televisor, concomitantemente. O advento da internet e dos dispositivos móveis potencializaram essa possibilidade, apesar de que, com o compartilhamento do foco e da direção, o consumidor dispensa menos atenção ao evento esportivo, o que o leva a ter uma experiência menos intensa com o produto em questão.
O fato é que hoje temos pouco tempo livre disponível para o lazer e uma oferta enorme de esportes para consumir. Aquele esporte/liga que se atentar a essa dimensão de análise do consumidor para a escolha de seu entretenimento pode obter uma vantagem competitiva frente aos seus concorrentes. E você? Conhece alguma história de gestão de produto considerando a variável tempo, por parte de organizações esportivas? E enquanto consumidor de produtos esportivos, o que você já fez para driblar as limitações de tempo com o intuito de conseguir acompanhar um evento do mundo do esporte?
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