Por Dr. Élcio Eduardo de Paula Santana
A prática de se identificar e se associar a uma entidade, sobretudo emocionalmente, com um comprometimento atitudinal e comportamental, é observado com recorrência na relação dos fãs com os times dos esportes coletivos. A torcida por colossos esportivos como Flamengo, Manchester United, Los Angeles Lakers, e New York Yankees, por exemplo, são casos notórios desse tipo de comportamento. A torcida por uma entidade é uma variável considerável na propulsão de seu desempenho esportivo. Além disso, no aspecto negocial, ela também se apresenta com uma relativa importância, pois o sujeito que torce para uma dada entidade tem a propensão de consumir com mais recorrência e intensidade os produtos gerados pelo atleta ou equipe, como o jogo (ao vivo e à distância), uniformes e equipamentos, marcas que o(a) patrocinam, e produtos licenciados. Desta forma, fomentar a existência de uma torcida é uma ação apropriada de um gestor esportivo.
Volte agora a sua atenção para o esporte individual: quantos torcedores de atletas individuais você conhece? Certamente você conhece alguns, mas provavelmente em menor monta que se encontra de torcedores de equipes de esportes coletivos. Por que isso acontece? Wann e seus colegas (2008)[i] apontam que a duração da relação estabelecida com uma equipe esportiva é muito maior que aquela perpetrada com um atleta de esporte individual, fato que impede o desenvolvimento de uma relação mais sólida entre a entidade e fã, pois não há tempo para que essa interação seja tão solidamente construída como aquela feita nos esportes que envolvem times. Além disso, não há a passagem de bastão entre gerações de torcedores, o que dificulta a construção de uma base de fãs realmente sólida.
Certo. Construir uma base de torcedores de atletas individuais é uma tarefa mais complicada, mas eles existem! Encontram-se pesquisas com torcedores de esportes individuais, como a realizada Soares e Santana (2019)[ii], com torcedores de tenistas, e a de Terra (2016)[iii], com torcedores de pilotos de Fórmula 1. Reportagens jornalísticas também relatam o fato, exemplificado na viajem de jamaicanos para torcer por Usain Bolt, o campeão olímpico dos 100 metros rasos do atletismo dos jogos Rio 2016[iv]. Resta saber qual tipo de torcedores são esses, no que tange ao quão apegados e identificados ao esportista eles são, e se eles torcem para esses atletas em momentos específicos do tempo e do espaço (uma competição em que eles representam países; uma competição em que eles disputam na cidade local do torcedor etc.) ou se os seus comportamentos de torcidas ultrapassam essas barreiras, segundo as definições de Hunt, Bristol e Bashaw (1999)[v]. Ademais, é preciso entender como fomentar tal comportamento de torcida – e esse é o mote principal deste post.
Sabendo-se que a competição entre equipes tem mais apelo entre os consumidores de esporte, no que tange ao estabelecimento da relação de torcida com a entidade esportiva, não deveriam os esportes individuais se estabelecerem em equipes para atrair mais torcida? As situações mais comuns de agregação repousam no âmbito da nacionalidade. Os esportes eminentemente olímpicos, como a natação, o atletismo e a ginástica artística, entre outros, encontram o seu nicho de atenção quadrienalmente, quando torcedores são arrebanhados por seus atletas em função de eles estarem representando um país nas Olimpíadas. Salienta-se que a maior parte desses fãs tendem a ser temporários, pelo fato de geralmente não se observar ações que levem à manutenção dos sentimentos que são despertados, durante o período olímpico, dos “torcedores” para com os atletas.
A torcida olímpica é um ótimo ponto de partida, contudo, ela não se sustenta ao longo do tempo por não haver reforços de comportamento na relação em análise. As entidades que gerem a natação, por exemplo, não conseguem tornar a audiência ciente de seu calendário de competições, de maneira que não se pode nem estabelecer o hábito de se acompanhar o esporte e muito menos os passos do esportista, de maneira mais detalhada.
Ainda no âmbito da nacionalidade, esportes como o tênis realizam competições entre países, fora do contexto olímpico, como a Copa Davis (https://www.daviscup.com/) e a Billy Jean King Cup (https://www.billiejeankingcup.com/en/home.aspx, ex-Federation Cup). Contudo, parece-me que pelo fato de a competição não ter apresentação contínua no calendário anual de jogos, sendo disputada em períodos curtos e esporádicos, a relação de torcida encontra dificuldade em se estabelecer mais firmemente.
Outro exemplo que vem do tênis é o World Team Tennis – WTT (https://wtt.com/), que foi criado nos Estados Unidos para ser uma competição por equipes que foge ao recorte da nacionalidade para a formação dos times, atendo-se a uma proposta mais próxima à tradicionalmente estabelecida pelos times dos esportes coletivos. As esquadras associam a sua imagem a cidades/condados, as(os) quais teoricamente eles representam, buscando assim criar a ligação geográfica, mas sem impor a limitação de fronteiras no tocante à composição dos membros das equipes. Destarte, equipes como Washington Kastles, New York Empire, Orange County Breakers são formadas para a disputa, com tenistas estadunidenses, belgas, brasileiros (o gaúcho Marcelo Demoliner já foi um dos representantes da equipe dos Breakers) etc.
O WTT conseguiu significativos índices de audiência em sua última edição[vi]. Todavia, acredito que o fato de ser uma competição paralela aos principais circuitos do tênis mundial, a ATP (para os homens) e a WTA (para as mulheres) previnam a ação de ter um sucesso mais retumbante, visto que há uma saturação na oferta de opções de entretenimento, inclusive se a limitação for feita dentro do setor esportivo e, se analisado mais especificamente ainda, restringindo a visão apenas ao mundo do tênis.
Salienta-se também que o sistema estadunidense de esporte universitário cria competições entre equipes dos esportes que são individuais, como, novamente, o tênis. Há diversos relatos do engajamento dos fãs direcionado para as equipes, como pode ser lido no post referenciado nesta nota de final de texto[vii].
O esporte a motor também já fez a sua investida na tentativa de transformação do objeto de atenção central. De 2008 a 2011 existiu um campeonato denominado Superleague Formula[viii], em que não havia um piloto vencedor, e sim uma equipe, a qual possuía a alcunha de um clube de futebol já previamente estabelecido – os times brasileiros Flamengo e Corinthians participaram da empreitada, juntamente com outras famosas agremiações mundiais, como o Liverpool, Tottenham Hotspur, Milan, Lyon, Sevilla, entre outros.
A ideia de se agregar ao objeto de análise de um esporte eminentemente individual uma marca famosa dos esportes coletivos, uma ação de extensão de marca[ix], tende a ser bastante pertinente à discussão trazida neste post. A transferência de sentimentos que se pode obter de tal ação pode ter repercussões positivas na atitude formada em relação ao objeto focal (o atleta/esporte individual), o que consequentemente pode gerar um comportamento de apreciação juntamente ao mesmo objeto. Desta forma, a massa de torcedores que segue as agremiações do esporte coletivo, no caso do exemplo em análise, o futebol, passaria a acompanhar e torcer para a unidade em análise do esporte individual (a equipe automobilística e o piloto que conduz o bólido, no caso citado).
Outro exemplo, menos explícito, mas também interessante de se considerar e ponderar é o acordo de cooperação esportiva que o clube de futebol espanhol Villareal CF firmou com o tenista Roberto Bautista Agut, em que o clube tem o seu escudo exibido na camisa do jogador, como se fora um patrocínio[x]. Desta forma, tanto o clube quanto o jogador ganham em exposição juntamente a segmentos de mercado potencialmente distintos entre si. Além disso, havendo se tornado notória a relação histórica do jogador com o clube (o tenista foi jogador das categorias de base das equipes de futebol e é torcedor da equipe), há uma probabilidade de torcedores do time de futebol passarem a seguir o atleta. Um razoável indicativo da popularidade de Bautista Agut é o número de seguidores que ele possui em sua conta no Twitter (50 mil)[xi], superando pares que se assemelham à sua nacionalidade, desempenho esportivo e características comportamentais perceptíveis, como Pablo Carreño Busta (31,6) e Albert Ramos Viñolas (22,1). Tais fatos, associado à quantidade de seguidores do Villareal (518,8), permite-nos supor que a base de seguidores de “Rober” foi potencializada pela relação com o clube de futebol, e dada a existência da sequência conhecimento-interesse-atitude favorável-torcida, presume-se que essa ação pode ser considerada com tendo alcançado sucesso, sob a perspectiva da agregação de fãs para o atleta de esporte individual.
O esporte individual, todavia, apresenta exemplos de ações para a promoção da torcida para os seus esportistas que não envolvem a associação com um coletivo qualquer. A adoção de elementos de identificação replicáveis pelos fãs, como a numeração fixa utilizada na Fórmula 1 e na MotoGP é um exemplo (o 44 do heptacampeão mundial Lewis Hamilton se tornou icônico entre os seguidores do esporte, levando-o a abdicar do número 1 historicamente reservado aos campeões na temporada seguinte à do título). Na World Surf League, WSL, o número foi introduzido nas roupas dos surfistas, aliado ao nome do esportista; o laureado surfista brasileiro, Gabriel Medina, utiliza o número 10, referência clara aos craques do futebol que eternizaram o referido número, gerando, assim, a possibilidade de transferência de sentimentos do torcedor conhecedor do futebol para o referido atleta do Brasil[xii].
Outra consideração a ser feita para promoção da torcida por um atleta de esporte individual é o fato de se poder ostentar produtos relacionados ao esportista ou à equipe que ele representa, o que reforçariam os sentimentos de pertença a uma comunidade, e da capacidade se autoexpressar por meio dos produtos. Contudo, a inexistência ou dificuldade de acesso a tais produtos, na maior parte dos casos, torna essa ação basicamente inexequível – já tentaram comprar uma indumentária do Time Brasil, por exemplo? Visitem o site https://produtostimebrasil.com.br/#inicio e certifiquem-se por si mesmos o quão frustrante pode ser empreitada.
O tênis possui um exemplo positivo no estabelecimento de uma marca, a RF, utilizada para representar o tenista mais vencedor de torneios majors[xiii] de todos os tempos, o suíço Roger Federer. A impressão de tal marca em uma série de artefatos, como bonés, tênis (o calçado), e camisetas de estilo casual propiciou aos seguidores do tenista uma facilidade de se autoexpressarem por meio da identificação que possuíam com um ídolo. A autoexpressão potencializa o amor que o indivíduo sente por um objeto (no caso, o tenista e sua representação juntamente ao público, tecnicamente denominada marca), o que reforça o sentimento de lealdade do torcedor para com essa marca e a propensão de se falar positivamente dela para outros (a comunicação boca-a-boca positiva). Todas essas relações podem ser entendidas mais aprofundadamente ao se analisar a tese de doutorado de Santana (2009)[xiv].
Os esportes individuais podem cultivar a torcida pelos seus esportistas, não apenas a apreciação pelo acontecimento, per se. São níveis diferentes de ligação do torcedor-consumidor com o esporte. Encontrar elementos que potencializem a identificação do fã com o esportista é parte fundamental da gestão de quem gerencia as ligas/associações e as carreiras dos atletas de esporte individual. Ideias como a coletivização do esporte individual, por exemplo, pode levar à coexistência de duas maneiras de se enxergar esse tipo de esporte, tanto no âmbito individual quanto no coletivo, permitindo aumentar a apreciação do esportista por parte dos torcedores.
E você, conhece alguma ação impetrada para a promoção de torcida do atleta que disputa esportes individuais? Aguardo suas informações, considerações e ideias para continuarmos o debate.
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[i] https://www.researchgate.net/profile/Frederick-Grieve-2/publication/265266108_Motivational_Profiles_of_Sport_Fans_of_Different_Sports_Motivational_Profiles_of_Sport_Fans_of_Different_Sports/links/54c141c30cf2d03405c50f0b/Motivational-Profiles-of-Sport-Fans-of-Different-Sports-Motivational-Profiles-of-Sport-Fans-of-Different-Sports.pdf [ii] SOARES, F. R. ; SANTANA, Élcio Eduardo de Paula . Torcer por um tenista: os fatores indutores à torcida e algumas características desse comportamento de consumo. In: 30º ENANGRAD, 2019, Uberlândia. Anais do 30º ENANGRAD, 2019. [iii] DANIEL SILVA TERRA. Tipologia de consumidores de Fórmula 1: criando grupos a partir de suas atitudes e da intensidade de consumo da categoria, em vídeo, com relação ao esporte. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Gestão da Informação) - Universidade Federal de Uberlândia. Orientador: Élcio Eduardo de Paula Santana. [iv] http://globoesporte.globo.com/olimpiadas/atletismo/noticia/2016/08/bob-marley-no-trem-bandeiras-amor-torcida-por-bolt-une-brasil-e-jamaica.html [v] https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/08876049910298720/full/pdf?casa_token=Z16M9bOYALAAAAAA:NYLWnQ98pPc6r6QJUaOyYNR7ji0m9XcR8aB8PIOqdliAHlGgyDOwL78yjrxpVA-KHO8K0fKtofVcpyxpuYUd_XVswg_TrlWBdxmPmR0eYXILCTzn9LVs [vi] https://wtt.com/2020/08/04/wtt2020-championship-on-cbs-sets-viewership-record-completes-most-successful-season-in-league-history/?blog_id=1 [vii] https://mytennishq.com/college-tennis-the-ultimate-guide/ [viii] Saiba mais sobre a Superleague Formula em https://www.autosport.com/general/news/european-super-league-when-motorsport-had-its-own-superleague-formula/6369035/ [ix] Saiba mais sobre a extensão de marca em https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1509/jmkg.70.2.018?casa_token=ZBtaF-z76rgAAAAA:M3Yh0tx12a3h0xMThzeCco4R9NH0WKsWF0zcxwP4rGzoZHyth1zzuitjKwGKvvObFeboLwkfvu9AIw [x] https://tenisbrasil.uol.com.br/noticias/78276/Bautista-usara-o-escudo-do-Villarreal-em-seus-jogos/ e https://www.villarrealcf.es/component/content/article/130-colaboraciones/585-roberto-bautista# [xi] https://twitter.com/BautistaAgut https://twitter.com/pablocarreno91 https://twitter.com/albertramos88 https://twitter.com/VillarrealCF [xii] https://www.surfertoday.com/surfing/world-surf-league-the-jersey-numbers-never-lie [xiii] Para se aprofundar no entendimento do que são os torneios majors do tênis mundial, acesse https://pt.wikipedia.org/wiki/Grand_Slam_de_t%C3%AAnis [xiv] A tese pode ser acessada em https://www.acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/21407/Tese-Final_ElcioSantana.pdf?sequence=1&isAllowed=y
Muito bom, prof Élcio! Acredito que estratégias reforçando as torcidas de atletas de esportes individuais são fundamentais para fomentar esses esportes, fortalecendo o núcleo de pessoas interessadas em consumi-los.
Outro elemento que acho válido verificar é a aproximação de alguns atletas com causas sociais e como isso pode fortalecer a relação com o público. Um exemplo é de Lewis Hamilton, quem além de vencer a maior parte dos campeonatos dos últimos anos, tem se apresentado como ativista de diferentes movimentos sociais, atraindo a atenção de fãs ou não da F1. Inclusive, indo ao encontro do crescimento da exposição dos atletas nas mídias sociais e do crescente interesse dos consumidores pelas suas "vidas fora de campo", seus posicionamentos em causas fora…
Obrigado pelas reflexões Élcio, são ricas e muito importantes para aqueles interessados no esporte, especialmente os que tem foco na gestão esportiva. Considero que pensar no esportista como 'produto", consequentemente gerando torcida, é algo muito importante para o desenvolvimento profissional do esporte. Ao ler o texto imaginei que aqueles que torcem/apreciam um atleta de esporte individual podem ter certa semelhança com os que torcem/apreciam um atleta de esporte coletivo. A semelhança estaria no fato de serem apreciadores de uma 'organização', no primeiro caso o esporte em si, na segunda o time do esporte coletivo. A principal diferença, que imagino, em termos de gestão do esporte, é que, normalmente, as equipes desenvolvem estratégias mais assertivas para atrair os torcedores e interagir…
Excelentes reflexões. Ao ler me fez refletir as estratégias de cruzamento entre as torcidas de atletas individuais entre distintas modalidades, com públicos e arrecadações records como ocorreu em 2017 entre o pugilista, e um dos esportistas mais bem pagos do mundo, Floyd Mayweather e o campeão do MMA de sua categoria Conor McGregor, no que ficou conhecida como a luta do dinheiro "Money". Provavelmente, e aqui é um palpite, fans do McGregor passaram a apoiar depois desse evento Mayweather e vice-versa, cruzando torcidas entre as modalidades. A curiosidade humana para saber quem é o melhor entre os melhores é um comportamento bem conhecido, e portanto explorado, desde os gladiadores da Roma Antiga.
Élcio, muito legal o texto, é uma discussão bem pertinente. Eu vejo que o tênis é um grande exemplo para esse tipo de questão, por ter também os atletas na lista dos mais bem pagos do mundo (Forbes), no esporte (além do boxe, quando consideramos os esportes individuais). E eu acredito que essa torcida de atletas de modalidades individuais potencializaram muito com as redes sociais; as pessoas acompanham esses atletas como se fossem seus melhores amigos, praticamente! Também vejo que essas iniciativas de formar times com "atletas individuais" não sejam necessárias quando o próprio atleta cria uma marca pessoal forte.