Por Dr. Élcio Eduardo de Paula Santana
Certa feita estava eu em convescote acadêmico quando um colega apontou que um dos limites da ação do marketing esportivo eram as linhas do campo: em sua área interna, o marketing não entrava. Ledo engano do nobre colega. O exemplo que me ocorreu no momento remetia à icônica franquia de basquete da NBA (National Basketball Association), o Los Angeles Lakers, que em 1981 trocou o seu então treinador principal, Paul Westhead, campeão com o time em 1980, pelo assistente Pat Riley; o proprietário da equipe, à época, Dr. Jerry Buss, argumentou que Westhead fora demitido porque a chefia queria que a equipe jogasse mais rapidamente na transição da defesa para o ataque[i] - o fato irônico dessa situação é que o técnico afastado ficou eternizado pelo estilo de rápida transição de seus times. Independentemente de o quanto a explicação supramencionada tenha contribuído para efetivamente explicar a troca dos treinadores, os Lakers se estabeleceram como uma equipe que tinha um estilo muito peculiar nos anos 80, em que a equipe corria insanamente nos contra-ataques, ganhando, em função disso, a alcunha de “showtime” (hora do show) para os seus eventos, grande parte em função desse estilo de jogo. O showtime então se transformou em um produto altamente vendável, que juntamente com o astro da equipe Magic Johnson, as líderes de torcida e a plateia Hollywoodiana, catapultaram os Lakers ao patamar de uma das equipes mais conhecidas, valiosas e rentáveis do esporte mundial.
O que se observou na estória apresentada no parágrafo anterior é a “intromissão” da gestão mercadológica na esfera esportiva, pois o anseio pelo estabelecimento de um estilo de jogo, mais agradável aos consumidores, teve participação efetiva na opção do tomador de decisão da organização.
Diversos outros casos elucidam a mencionada intervenção: a adoção do tie break no tênis e no vôlei, para se encurtar o jogo e torna-lo mais palatável ao consumidor; o gol de ouro (morte súbita) no futebol, que visava incentivar os times a atacarem durante as prorrogações, trazendo mais emoção para o jogo; a adição de peso aos carros dos cinco pilotos mais bem classificados nos treinos para a corrida, na Stock Car Brasil em 2020, o que objetiva tornar a corrida mais competitiva e emocionante aos olhos do público, dentre outros.
Todavia, essa intervenção pode não ter o efeito simbiótico de tanto melhorar a performance esportiva quanto a mercadológica da organização. Na primeira metade da década de 2000, a equipe de futebol espanhola do Real Madrid instituiu uma política de ganhar uma escala de exposição grandiosa por meio da contratação em série de estrelas do futebol d’aquela época, como os jogadores Luís Figo, Zinedine Zidane e Ronaldo Fenômeno, todos eleitos, em algum momento de suas carreiras, como o melhor futebolista do mundo. Todos eles se juntaram a Raúl, o lendário jogador blanco que até ganhou a alcunha de Raúl Madrid, dada a sua identificação com a agremiação e seus torcedores. Para completar o circo, a equipe merengue decidiu contratar o jogador mais midiático que o mundo já vira até então: o inglês David Beckham, um atleta de ótima capacidade técnica, que inclusive já havia sido indicado para o prêmio de melhor jogador do mundo (assim como o referido Raúl), mas não havia conquistado a deferência maior.
O próximo nome da lista de contratações madridista seria a estrela em ascensão mais fulgurante do planeta bola naquele momento: Ronaldinho Gaúcho, o brasileiro que fazia parte da equipe francesa do PSG. Um detalhe sórdido se apresentou para que Ronaldinho não fosse escolhido: a aparência física do jogador, que depunha contra a imagem que o clube queria estabelecer[ii]. A opção mercadológica para a construção da imagem do Real Madrid se transformou em uma sentença de morte esportiva, já que a instituição padeceu por seguidos anos frente ao arquirrival Barcelona que, por sua vez, contratou o Gaúcho, o qual foi o artífice de uma época esportivamente memorável na história do clube catalão.
Destarte, importante se faz entender o impacto das decisões que os gestores das entidades envolvidas no esporte competitivo tomam, cientes de que tais escolhas podem impactar dimensões a princípio tão distintas quanto a mercadológica e a esportiva. Necessário parece se estabelecer muito claramente os objetivos atinentes a cada dimensão, de maneira que se possa observar áreas de interseção que podem levar a escolhas que convergem para a consecução de ambos os objetivos, ou então, em caso de divergência, que se decida qual é a dimensão que possui o rol de objetivos prioritários, considerando-se, assim, de maneira mais enfática os ganhos e perdas envolvidos na decisão.
Olá Gustavo, obrigado pelo comentário! Sim, o estilo de jogo pode ser uma maneira de auxiliar na composição da marca da equipe. Vejo alguns desafios para o estabelecimento de uma identidade duradoura aqui no Brasil: a falta de recursos financeiros, a falta de atratividade do mercado brasileiro e a ausência de recursos humanos para o estabelecimento de tal identidade dentro das nossas fronteiras. Veja o caso do Palmeiras, no futebol, que apontou para uma direção na procura de seu novo treinador, visando criar essa identidade, mas recebeu uma série de negativas em função (acredito) dos fatores supramencionados e em função disso passou por uma série de possíveis nomes que tenderiam a não apresentar a mesma linha de trabalho, e que…
Ótimo ponto, profª Élcio! Concordando com você, acredito que isso pode ser visualizado na necessidade atual dos clubes criarem uma identidade de jogo, além de ser um caminho para garantir desempenho superior em campo, é uma forma de deixar sua marca no esporte como símbolo de um projeto administrativo de sucesso, tornar-se mais agradável e identificado com os torcedores/fãs.
Por exemplo, hoje há uma valorização bem maior dos gestores e treinadores do que há 50 anos atrás, mais que apenas contratar "os melhores" e escalar uma equipe que vença, busca-se que imprimam uma filosofia que agrade o torcedor. Um exemplo (entre tantos possíveis) de filosofia aliada à títulos que vem do futebol é o Bayern, já no Brasil, apesar da…