Por Dr. Élcio Eduardo de Paula Santana
A recente demissão do técnico da equipe de futebol do Flamengo, Domènec Torrent, e a imediata contratação do treinador Rogério Ceni suscita a discussão sobre o quão correta, eticamente falando, foi a decisão de contratar o mencionado treinador, dado que ele estava empregado no time do Fortaleza, que faz parte da mesma competição que o Flamengo, a Série A do Campeonato Brasileiro de Futebol. Importa mencionar que a argumentação aqui proposta não repousa na premissa de que é um direito do trabalhador escolher aonde quer desempenhar sua profissão, e nem de que o empregador busca os melhores recursos para obter o melhor desempenho possível de sua organização; neste post se busca refletir se a contratação efetuada pelo Flamengo é prejudicial não somente ao Fortaleza, mas ao campeonato em que as duas equipes estão inseridas, a Série A. A inspiração para essa reflexão surgiu de uma discussão impetrada na bancada do programa jornalístico esportivo “Redação SporTV”.
Quando se retira o funcionário do adversário, especialmente em uma situação de impacto imediato, a organização atacada se fragiliza sobremaneira, ainda mais quando ela não possui os recursos financeiros, dentre outros, para buscar uma reposição imediata à altura. A fragilização da parte atacada, por sua vez, não significa somente a perda de seu próprio desempenho, mas a perda da qualidade de jogo do campeonato como um todo. Tal fato é mais evidente quando se observa que esse comportamento flamenguista não é isolado, propiciando um sequencial enfraquecimento das equipes pertencentes à competição.
Pondera-se que essa situação é, também, em última instância, prejudicial ao Flamengo e a todos os demais integrantes do campeonato, porque o produto “Campeonato Brasileiro da Série A” perde a sua qualidade, e todas as equipes que o compõem podem se beneficiar, assim como se prejudicar, do resultado da competição como um todo. Destarte, além da conhecida dimensão da competição, no setor esportivo, e da ciência da existência da menos incensada dimensão da colaboração, também no setor do esporte, uma nova dimensão, simbiótica entre competição e colaboração, deveria estar mais fortemente imbricada nos processos de gestão da entidades esportivas, e ainda mais notadamente, nas brasileiras: a coopetição.
A coopetição, segundo viés de análise de Bengtsson e Kock (1999)[i], explora a possibilidade de as organizações desfrutarem tanto da competição quanto da cooperação com o mesmo grupo de entidades horizontalmente dispostas. A coopetição, que é ausente no futebol brasileiro, no caso supramencionado, existe na Série A Italiana de futebol, pois um treinador que já atuou por uma equipe não pode dirigir outra durante a mesma temporada.
No Brasil, houve um exemplo de estabelecimento de ações coopetitivas quando as grandes equipes de futebol do país se aglutinaram em uma organização denominada “Clube dos 13”, para que direitos de transmissão dos jogos fossem negociados conjuntamente com as emissoras de televisão, de maneira que todos os competidores, naquele momento, colaborassem para que o ganho médio, de todos os envolvidos, fosse maior.
Há exemplos mais crassos de coopetição: na NFL (National Football League), a principal liga de futebol americano dos Estados Unidos, todos os reditos resultantes das vendas de direitos de transmissão dos jogos e produtos licenciados são revertidos para um fundo controlado pela liga, e não para os times individualmente, de maneira que todas as equipes tenham um quinhão significativo na divisão da receita. Adicionalmente a isso, o estabelecimento de um limite de gastos com os salários dos atletas integrantes da organizações, limite esse denominado salary cap, estabelece uma saudável paridade entre as entidades componente do certame estadunidense, pois times oriundos de cidades pequenas, como Green Bay, no Wisconsin, que possui 104.057[ii] habitantes, têm condição financeira de competir com times instalados nas mundialmente renomadas Nova Iorque, Chicago e Los Angeles, dentre outras, na composição das suas equipes. É imperativo afirmar que a receita da NFL se situa na casa dos US$ 15 bilhões anuais[iii] e que cada uma das 32 equipes que a compõem recebeu US$ 255 milhões referente ao ano de 2018[iv]. Juntando-se à informação de que o um teto de gasto com o salário dos jogadores, por equipe, não poderia ter ultrapassado a casa dos US$ 177,2 milhões em 2018[v], entende-se uma das vertentes que levam a NFL a ser uma liga exitosa[vi].
Os nossos gestores esportivos precisam expandir os horizontes, buscando entender que às vezes, menos, é mais. Adicionar um pouco de colaboração à competição, gerando a coopetição, é um caminho a se pensar.
[i] BENGTSSON, Maria; KOCK, Sören. Cooperation and competition in relationships between competitors in business networks. Journal of business & industrial marketing, 1999. Veja o texto completo em: https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/08858629910272184/full/html?casa_token=TPVqWX_-cPsAAAAA:dqw7dXTYS4TwsAAQxw4IfyfLxpECek5g7vGEubETVbotdbVMoIpmU-PdMtwui98DauRcDR_Ba0i6HTkeB93Mo0cDhFicVkRE_8LTMa-MEPl6lwL0jp5L [ii] Fonte: https://worldpopulationreview.com/us-cities/green-bay-wi-population, de acordo com o censo americano de 2010. [iii] Fonte: https://www.chicagotribune.com/sports/ct-spt-nfl-revenue-super-bowl-20190128-story.html, para a temporada 2018-19. [iv] Fonte: https://www.investopedia.com/articles/personal-finance/062515/how-nfl-makes-money.asp#:~:text=According%20to%20the%20Green%20Bay,national%20revenue%20from%20the%20league., para a temporada 2018-19. [v] Fonte: https://www.statista.com/statistics/1011083/nfl-salary-cap/, para a temporada 2018-19. [vi] Salienta-se que as receitas dos times, individualmente, não se resume a essa divisão arquitetada pela NFL: cada equipe pode aumentar os seus reditos por meios das entradas advindas dos receitas locais, envolvendo venda de ingressos, concessões e patrocínios corporativos (https://www.investopedia.com/articles/personal-finance/062515/how-nfl-makes-money.asp#:~:text=According%20to%20the%20Green%20Bay,national%20revenue%20from%20the%20league.). Veja os resultados financeiros para cada time no seguinte endereço: https://finance.yahoo.com/news/rich-every-nfl-team-090000298.html
Olá Gustavo. Sim, nós temos dois cenários: aquele que eu apontei, em que não há cooperação entre os competidores, e esse que você apontou, referente à forma de negociação dos direitos de transmissão dos jogos, que promove a cooperação entre os competidores. Destarte, destaca-se que a coopetição pode se apresentar tanto presente quanto ausente no mesmo contexto, dependendo do viés de atuação em que os competidores estiverem se manifestando, não se apresentando, assim, como uma situação necessariamente observada de maneira uniforme.
Sim, profº Élcio! Concordo com o enfraquecimento da Bundesliga em relação ao cenário internacional, o Bayern consegue dominar o país e despontar muito bem no cenário europeu, já os outros clubes do país não tem tanta força. Mas a partir do momento em que a Liga e os clubes negociam direitos de transmissão de uma forma mais igualitária que boa parte das ligas, inclusive destinando uma pequena parte aos clubes da segunda divisão, e incentivam a formação de atletas, isso não pode ser considerado um cenário de cooperação entre os clubes?
Gustavo, interessante a questão dos "predadores" locais, levantada por você, pois creio que ela é um reflexo da falta de entendimento da cooperação entre os competidores. Penso que não há caso mais crasso do que o do Bayern de Munique, que historicamente destruiu os seus rivais com a contratação de seus jogadores mais proeminentes, como Neuer (Schalke), e Lewandowski, Götze e Hummels (Dortmund), para nos atermos a exemplos mais icônicos e recentes. O quanto isso não prejudica a Bundesliga na preferência do mercado internacional, pois o quão atrativa é uma liga em que quase sempre o mesmo time é o campeão? Élcio Santana.
Em relação às trocas no comando técnico dos clubes, acredito que uma medida próxima à adotada na Itália seja interessante, talvez a possibilidade de o clube ter no máximo dois treinadores diferentes e os próprios treinadores dirigirem no máximo duas equipes seja uma saída. Assim como há limitações em relação ao número de clubes que um atleta pode defender durante a temporada e restrições de transferências de atletas entre clubes do Campeonato Brasileiro devido a quantidade de jogos (7), algo também pode ser feito em relação aos treinadores. *Lembrando que os clubes recusaram a regra que restringiria troca de treinadores.
E sobre o cenário de coopetição, seria ótimo para reforçar o campeonato como um todo. Exemplos europeus que eu acho…